sexta-feira, 27 de abril de 2018

CLUBE DE LEITURA - MAIO

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.

 Livro indicado: "Aurora adormecida" de Eva Cruz
Sinopse:  "Aurora adormecida" é uma biografia da mãe da autora e uma verdadeira homenagem ao amor entre mães, filhos e netos.
A escrita é "simples, fluida, intensa",  tão bela, tão interessante, tão envolvente que mais parece estarmos perante prosa poética.

Data: 24 maio 2018

"Aurora é nome de Deusa, Aurora é nome de mãe. Traz Consigo o amanhecer... e o ser. Traz a claridade e o brilho e é irmã do Sol e da Lua. Que promessa de nome!

Que a sua vida dava um romance. Se dava!...
(Nem lá faltava a complexidade  do enredo, diegeses e metadiegeses, descrições e analepses, tudo o que faz falta no género!) Mas não deu! A autora abriu o baú, relicários de histórias e de vida e, com os mesmos fios com que tece um poema, urdiu uma bela história tão simples e tão comovente. É filha, também é mãe, sabe o que é o amor, a entrega e a dádiva, é escritora e tem um grande orgulho naquela sua mãe."

Carmina Figueiredo


Mãe a palavra universal a palavra mais consensual da
humanidade
Nem Deus… Deus é de uns e não de outros Deus é conceito de
muitos e negação de outros tantos
A mãe não a mãe é de todos sem excepção
A mãe é de todos e é só nossa a mãe é do crente e do ateu a
mãe é do pobre e do rico do sábio e do ignorante
A mãe é dos poetas dos filósofos e artistas dos bons e dos
maus a mãe é do amigo e do inimigo
Não há mãe de uns e não de outros não há ninguém sem
mãe não há mãe de ninguém
A mãe é de toda a gente a mãe é de cada um a mãe é do
mundo inteiro e do nosso mais pequeno recanto
A mãe é do longe e do perto da água e do fogo do sangue
e das lágrimas da alegria e da tristeza da doçura e da
amargura da força e da fraqueza
A mãe é certeza e aventura é medo e firmeza dúvida e
crença a haste que se ergue no céu ou se aninha rente ao
chão para que a morte a não vença
A mãe é a outra parte de nós
Sem mãe somos metade sem mãe nada é exacto igual a um
igual a infinito onde se tocam princípio e fim onde os tempos
se encontram sem tempo presente passado e futuro
A mãe é tudo a mãe é de mais a mãe é o máximo
A mãe é a lágrima que não seca no sorriso que não se apaga a
nuvem que chove no sol que aquece a mensagem da luz e da
harmonia e dos acordes matinais com que abre o nosso dia
A mãe levanta‑se no orvalho das lágrimas da noite e mesmo
cansada não perde a voz nem a cor da madrugada
A mãe é a voz que se não teme a voz que se confia a voz que
tudo diz nas consoantes do grito nas vogais do silêncio nos
abismos da agonia
Mãe
Primeira palavra a nascer a última palavra a morrer a mãe
é sempre a mesma a mãe nunca é outra na sua infinita
diferença
A mãe é criação a mãe é sempre o fim da obra‑prima
inacabada a mãe nunca é ensaio nem esboço nem projecto
A mãe é um milagre no milagre do mundo o único milagre
concebido neste mundo real e concreto
Chora para que outros riam ri para que a dor a não mate
mistura‑se com a luz das estrelas para vencer a escuridão
devora as nuvens por um raio de sol
A mãe é beleza e poesia aurora fulgurante aurora
adormecida a mãe é bela porque é simples a mãe é simples
porque nasce da silenciosa lógica da vida
A mãe é o que é a mãe é a fragilidade da semente a força do
tronco a beleza da flor a doçura do fruto o dom de renascer
A mãe é tudo numa coisa só
Amor

(in Adão Cruz, VAI O RIO NO ESTUÁRIO. Poemas de braços abertos, ediçõesengenho)




Eva Cruz nasceu em Vale de Cambra, é licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Coimbra, fez formação em Portugal, na Alemanha e na Suíça (num cantão de língua alemã). Foi correspondente/tradutora numa empresa portuguesa e, depois, numa empresa suíça. Foi professora do Liceu durante trinta e seis anos. No Ensino, ocupou cargos de direcção e cargos pedagógicos. Esteve ligada à formação de professores durante doze anos. Foi dirigente sindical.

Escreveu para jornais e publicou em 2004 o seu primeiro livro “Era uma vez Future Kids”, em 2006 o segundo “Aurora Adormecida”, ”Era uma vez em Outubro”, o terceiro livro, em 2010 e o último "Corconte" em 2012. 



CLUBE DE LEITURA - ABRIL

Ontem, pelas 21h00, decorreu a sessão de abril do Clube de Leitura, para a apreciação e debate do livro "Lillias Fraser" de Hélia Correia, sugerido pela Ana Gomes.

Foi consensual que a leitura da obra mais aclamada da autora e que recebeu o Prémio de Ficção Pen Clube em 2001, nos despertou um grande interesse e proporcionou um grande prazer na sua leitura.

Na sequência da demanda de Hélia Correia por terras célticas na procura das suas origens de sangue escocês, surge este interessantíssimo romance histórico passado entre 1746 e 1762, com um percurso desde a Escócia, das Highlands, passando pelo castelo de Moy Hall, Londres, Edimburgo, Lisboa, Mafra, Almeida e finalmente Lisboa novamente.

Em toda a obra estão presentes personagens histórias escocesas e em Portugal, surgem-nos de forma subtil outras tantas, tais como o Ministro (Marquês de Pombal), o Padre Malagrida e o seu auto de fé, a Inquisição, D. João V e até uma personagem da obra de Saramago, a Blimunda Sete Luas que se cruza com Lilllias no grande final.

A obra fala-nos da orfandade, do exílio, da mudança de identidade e do travestimento como forma de sobrevivência no cruel universo de setecentos.

Lillias Fraser tem o poder de uma terceira visão, ou seja, tem visões premonitórias que lhe serão fundamentais para sobreviver, como aconteceu durante o terramoto de 1755.

A descrição de todo o ambiente da época, das ruas, das casas, do desorganizado exército português são magníficas.

Lillias Fraser é uma personagem comovente pelo constante desejo de calor e conforto humano, próprio de quem perdeu tudo e está entregue à sua sorte, o que nos remete para o drama das grandes correntes migratórias da atualidade.

"Lillias Fraser" é a história de Lillias Fraser, menina escocesa, filha e irmã de rebeldes de guerra que se insurgiram contra os ingleses, que tinha o poder de antever a morte das pessoas quando esta se aproximava delas, de ver o futuro, a chamada "terceira visão". A este poder devemos o arranque do livro, um arranque fortíssimo, em que Lillias prevê a violenta morte de Tom Fraser, o seu pai. Guiada pelo espírito da mãe, Lillias encontra refúgio junto de Anna MacIntosh, e andará sempre entre casas diferentes até que, a pedido de um padre, é levada para fora do Reino Unido. A Portugal chega de barco em 1751. Acaba por ser entregue ao Convento de Santa Brígida, onde habitavam as freiras católicas inglesas (minoria de um povo protestante anglicano, relembre-se) de onde acaba por fugir, por não suportar as visões que lhe mostram o convento em ruínas. A meio da sua fuga pela floresta, dá-se o terramoto. Nessas circunstâncias conhece Cilícia que a adoptará mesmo depois do frenesi que o terramoto origina. Um pouco como as várias mulheres que vão estando à volta de Lillias, Cilícia acaba por perceber os poderes de Lillias e pede-lhe que os use para trazer o seu filho para casa. Jayme acaba por aparecer, ainda que seja um tanto indefinido o papel que Lillias teve nesse regresso. Paixões, partidas, uma gravidez da menina, deserção e uma nova guerra são os assuntos que tomam parte no destino de Lillias e de Portugal.
Mas Lillias é a personagem que se quer seguir, muito mais do que propriamente os destinos do país. É que Lillias Fraser questiona todo o tipo de conceitos e coloca toda a sorte de questões. A primeira e eventualmente a mais interessante é a da relação da identidade de um indivíduo com o seu passado: Lillias é obrigada, ainda na Escócia a ocultar o seu apelido verdadeiro e ao longo da história é chamada Lillias MacLean e mais tarde Lília Peres; quando por fim revela o seu verdadeiro apelido, já em Portugal, toda a sua vida é virada do avesso, pois o nome Fraser, banido, é lembrado ainda entre os soldados ingleses. Outra questão é a da possibilidade de prever a morte: ainda que primeiramente essa capacidade seja uma benesse para Lillias pois, depois de prever a morte de Tom Fraser consegue ela mesma salvar-se da morte; a verdade é que no desenrolar do romance, Lillias começa a ser prejudicada por esse dom, porque as mulheres, dadas a estranhas intuições, o entendem e acabam por se sentir ameaçadas por ele, achando, como seria de esperar, que é um poder conferido pelos demónios, e uma heresia, etc, etc, etc; e a própria Lillias, quando se apaixona por Jayme evita olhá-lo para não lhe prever a morte.
Aqui mesmo, onde muitos poderiam encontrar uma justificada semelhança com o "Memorial do Convento" de José Saramago, Hélia Correia cruza subtilmente Blimunda Sete-Sóis com Lillias Fraser, quando a primeira decide cuidar da gravidez de Lillias. E, quando comparam os seus dons, Blimunda conclui "Então sou mais feliz do que tu és" (pag. 280).
O final do romance é ele mesmo uma tremenda ironia que confirma a ideia de que o narrador, que podemos assumir, pelo segundo capítulo da primeira parte ser a própria Hélia Correia, é uma "figura" que sabe umas coisas e outras não, o que lhe permite conduzir desta forma mirabolante a história e até questionar ou rebater a História: "Foi por um triz que o Carniceiro da Escócia não se sentou no trono português" lemos, ao mesmo tempo que sabemos que apesar de não ter entrado pelo trono, não quer dizer que não tenha entrado em Portugal...