quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

CLUBE DE LEITURA - JANEIRO

Com uma periodicidade mensal (à exceção de agosto), o Clube de Leitura destina-se a promover o prazer da leitura partilhada. As reuniões decorrem à volta de um livro previamente escolhido e lido por todos, proporcionando a convivência e a discussão entre quem gosta de ler e explorar os livros lidos, tornando a experiência da leitura ainda mais estimulante. Pontualmente poderá ter um escritor/dinamizador convidado.




Livro indicado: “La coca" de José Rentes de Carvalho




Data: 23 janeiro 2018, 21h00

Plano Nacional de Leitura
Livro recomendado para a Formação de Adultos, como sugestão de leitura.

Sinopse: Manuel Galeano - que sempre tivera "o contrabando no sangue" - sumiu antes do segundo encontro. Inesperadamente, como cruzara o caminho do seu velho conhecido em Amesterdão. O primeiro encontro, seguido de uma conversa saborosa no bar de um hotel, cheia de memórias de juventude e de algumas confidências do presente, é o ponto de partida para uma longa evocação e uma viagem sentimental: da história do tráfico entre o Minho e a Galiza - tráfico de cigarros, uísque, barras de ouro, gado e café e mais recentemente de narcóticos - e os seus protagonistas - Diogo Romano, El Min, Sito Miñano, o Pardal, o Pepe, Mustafé e o Laurestim-, que durante décadas enformaram o imaginário pícaro local; e a viagem de revisitação que o autor deste livro faz aos lugares da infância e da primeira idade adulta.
La Coca é também uma investigação literária - que se materializa neste livro - e um pequeno tratado dos mecanismos da memória.
Um romance breve, profundamente irónico e terno. E a escrita clara, brilhante, de Rentes de Carvalho.

Críticas de imprensa
«Presumo que seja essa a “moral” do livro: ninguém sabe como raio criamos as nossas memórias. Talvez sejam histórias que contamos a nós mesmos para justificarmos como andamos no mundo. Talvez sejam uma zona de conforto, uma almofada para tornar o leito da morte mais suave. E talvez seja aquilo a que se costuma chamar um livro de velho, aquele tipo de literatura que um escritor só produz (com brevidade e urgência macerada) quando já viu ou pensou muito.
[…] Mas ao contrário do que é habitual na literatura de velho, aqui não se cai na amargura. O que em si, e já descontando o serviço que presta à pátria ao tão bem narrá-la, faz de La Coca um pequeno milagre.»
João Bonifácio, Público

«La Coca é para o Alto Minho aquilo que A Amante Holandesa é para Trás-os-Montes, ou seja, estamos perante um fresco social e histórico que põe em causa a narrativa dos brancos costumes. […] La Coca é, portanto, o retrato do abismo entre a falsa brandura e a bruteza real dos portugueses, entre a beleza tranquila da paisagem e a violência que corre nas veias das nossas gentes.»
Henrique Raposo, LER 104

«Graças ao empenho da Quetzal, abre-se agora um tempo em que Portugal pode começar a descobrir a obra de J. Rentes de Carvalho.»
Público

«A elegância do estilo, a força da ironia, o poder de em poucas palavras desenhar uma personagem - com essa perícia, J. Rentes de Carvalho empresta aos acontecimentos um carácter assustador e inesquecível.»
Vrij Nederland

«Uma linguagem que decide sugerir e propor, em vez de explicar e impor.»
José Saramago




  • Nostalgia

    Entre o Minho e a Galiza costumava haver tráfico de droga, e é precisamente neste espaço geográfico que a acção do livro decorre. Como ponto de partida temos um homem que viaja de Amesterdão ao Minho para fazer uma reportagem de investigação sobre o tráfico clandestino de drogas e de outros artigos na época actual, recorrendo para isso ao reencontro de personagens do seu passado.


Sobre o Autor

Wook.pt - José Rentes de Carvalho
De ascendência transmontana, J.Rentes de Carvalho nasceu em 1930, em Vila Nova de Gaia, onde viveu até 1945. Frequentou no Porto o Liceu Alexandre Herculano, e mais tarde os de Viana do Castelo e de Vila Real, tendo cursado Românicas e Direito em Lisboa - onde cumpriu o serviço militar. Obrigado a (ver mais)


Fonte:

https://www.wook.pt/livro/la-coca-jose-rentes-de-carvalho/10693679

Alguns excertos muito esclarecedores (Graça Serra):


As "voadoras" são referidas em várias páginas da obra.



Mas na página 62 o autor explica o que são:



"Usadas para ir buscar a mercadoria fora das águas territoriais e equipadas por vezes com 6 motores de popa, essas lanchas atingem facilmente velocidades de 150 km/h..."



O nome explica-se pela elevada velocidade que podem atingir, devido ao uso de motores que vão de 300 a 500 cavalos.

   
Página 76:



"Com cerca de 9 metros de comprido e uns 30 cm de espessura, esta última (a pedra d' abalar) desempenha um papel importante durante a romaria de setembro, quando a aldeia festeja a aparição sobrenatural. Os romeiros dançam e saltam então sobre ela, pois ainda segundo a lenda, aquele que a conseguir fazer mexer verá realizados os seus desejos. (...)e como com as coisas do sobrenatural nunca se sabe, eu próprio subi para ela e tentei uns saltos discretos. Foi aí que o Pardal, rindo às gargalhadas da minha ingenuidade, me veio encontrar".  




Pág. 81:



"O recepcionista apontou um homem sentado num dos sofás (...), a face marcada por schmisse , as cicatrizes típicas dos estudantes de Heidelberg..."



Heidelberg é uma cidade alemã, com uma universidade famosa. Houve uma época em que os seus estudantes (do sexo masculino) praticavam uma modalidade de esgrima conhecida pelo nome alemão de "Mensur". As cicatrizes resultantes destes duelos de espada eram chamadas de schmisse e consideradas um motivo de orgulho por quem as tinha. 



Em anexo, dois postais pintados pelo pintor alemão Georg Muhlberg, retratando o primeiro um duelo "Mensur" e o segundo um grupo de 4 estudantes de Heidelberg a passearem, todos com "Schmisse", em diferentes fases de tratamento. Parece que era muito frequente (e considerado normal) verem-se nas ruas de Heidelberg grupos de jovens como este. 



Os restantes anexos mostram alguns homens com schmisse mas esses não são postais, são mesmo fotos. A última mostra um estudante antes e depois da schmisse. 






 pág. 83:


"Otto Skorzeny! Eu tinha ali à minha beira um homem procurado, temia eu, por não sei quantos governos, o colaborador próximo de Hitler e lendário SS-Obersturmbannfurher, o ás da aviação que em 1943 ganhara fama mundial por pousar no Gran Sasso com um avião minúsculo e de lá conseguir raptar Mussolini. O mesmo que depois, quase ao terminar da guerra, durante a ofensiva das Ardenas, tinha comandado um grupo de sabotadores que, vestidos de uniformes ingleses e americanos, tinham operado atrás das linhas aliadas, infligindo enormes perdas. Mãe Santíssima!Um criminoso de guerra que, a crer no cartão de visita, se refugiara em Espanha!"




Otto S. era austríaco. Na Áustria também havia a tradição das sociedades de duelos esgrima, idênticas às sociedades estudantis de Heidelberg. Ele participou de catorze duelos e no décimo recebeu a Schmisse (cicatriz de honra), que era para ele motivo de orgulho. Com quase dois metros de altura e pesando 114 quilos, a face esquerda do rosto marcada por uma cicatriz, Skorzeny chamava a atenção por onde andava.


Ingressou nas Forças Armadas alemãs após a anexação da Áustria pela Alemanha em 1938.

No fim da guerra esteve  preso alguns anos mas acabou por se refugiar na Espanha de Franco, onde morou atá à morte, em 1975, com 67 anos, por doença.   


Pág. 95:



"- Andaste pela costa?

 - Andei.

 - Viste aqueles milhares de jangadas onde os galegos criam  os mexilhões e as amêijoas?

 - Vi.

 (...)

 - Ó inocente! Porque aquelas bateas todas que servem para criar mexilhões são também um excelente esconderijo para os fardos de cigarros que as voadoras vão buscar aos cargueiros no alto-mar, ou para os que as traineiras trazem." 



pág. 96:



"Nas rias, alongando-se a perder de vista, as bateas negras de alcatrão parecem uma estranha flotilha de jangadas imóveis nas suas âncoras". 







Pág. 119:

"Gondarém mal se pode chamar aldeia. É uma encosta onde as casas se espalham (...) duas mansões nobres: a da Loureira, meio escondida num refego do vale, e a do Outeiral, plantada no topo de uma colina, com uma tão bela paisagem de rio, de mar, de montes e vales, socalcos, campos de milho, hortas, latadas, pinheirais, que antes parece um cenário de filme onde infinitos tons de verde se casam com o azul do céu, reflectem nas águas e acentuam o dourado dos areais".


pág.120:

"Não vejo as árvores derrubadas na Ilha dos Amores nem o abandono da ilha da Boega que, no meio do rio, com o seu quilómetro de comprido, era uma gigantesca seara de milho onde tantas vezes amámos e rimos..." 


pág. 123:

"...anos mais tarde, em Paris, o acaso faria com que nos voltássemos a encontrar em Paris...
 Sabia eu que a Casa do Outeiral já não pertencia à família? Que tinha sido vendida e revendida e era agora uma espécie de hotel?
  - Você imagina uma coisa assim, José? Aquela casa feita estalagem?"


Foi na biblioteca desta casa que o autor se familiarizou com os livros e com a música. 

Atualmente, a Casa do Outeiral  chama-se  Hotel Boega. 
pág. 162:

" - Um pó branco? - quis saber o Cebolo,rematando com uma certeza final: - Um pó branco que se cheirae a gente vem-se tantas vezes que ao fim a piça deita sangue? Vi na América. Pó de cantárida(...)
   Tive de o contradizer, porque cantárida já eu tinha visto, era um pó amarelado ou acastanhado, não me lembrava bem.
   - Branco.
   - Não, Cebolo. É castanho. Eu sei porque na minha aldeia o usam para pôr sinapismos nos cavalos doentes.
   - Não senhor, é branco. Tenho a certeza. Vi em Nova Iorque. Ópio, cocaína, heroína, morfina, cantárida, tudo isso é pó branco."

A cantárida, também conhecida como "spanish fly" ou mosca espanhola, é um inseto, da família dos escaravelhos.
Esta espécie é particularmente rica em cantaridina, sendo utilizada para preparar o pó de cantárida, um produto tóxico considerado afrodisíaco, diurético e vesicante. 


Sinapismo: é uma cataplasma de mostarda que se aplica como revulsivo, que ao irritar a pele irá descongestionar os órgãos e tecidos profundos subjacentes e, assim, melhorar os processos inflamatórios.


 
É um solar do séc. XVIII situado entre Ponte de Lima e Arcos de Valdevez.



Foi adquirido pelo britânico Peter Pitt-Milward (o Lorde Peter do livro)  em 1937, num leilão. Estava quase em ruínas quando ele o comprou, mas ele fez grandes melhoramentos. 



Lorde Peter morreu em 1978 e após a sua morte o solar passou passou já por vários proprietários.



Desde 2002 é propriedade de Robert Illing (outro inglês) e funciona como turismo de habitação.



pág. 186



E agora, José?

A festa acabou,

a luz apagou,

o povo sumiu...





Carlos Drummond de Andrade é um poeta brasileiro, nascido em Minas em 1902 e falecido em 1987 no Rio de Janeiro.



No Rio ele viveu muitos anos e aí era bastante conhecido. Como homenagem, a prefeitura mandou fazer uma estátua em bronze, que foi inaugurada em 2002, no calçadão da praia de Copacabana. Esta estátua é já um ícone de Copacabana. Ela retrata um momento rotineiro na vida do poeta, que tinha por hábito passear e sentar-se num banco do calçadão ao fim do dia, como mostram as 2 fotos em anexo, a primeira de 1972 e a outra dos anos 80.   



O poema "José" foi publicado originalmente em 1942, na coletânea Poesias. Esse é o poema completo.



José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio — e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?